Veja as perdas e ganhos que o país pode ter com a guerra comercial de Trump
País pode aumentar venda de calçados e acelerar acordo UE-Mercosul, mas receber ainda mais produtos chineses
Numa feira do setor de calçados, em janeiro, na cidade italiana de Riva Del Guarda, importadores americanos procuraram produtores brasileiros. Alguns fecharam ordens de compra se antecipando à possível taxação de fabricantes chineses por Donald Trump. O temor era de desabastecimento com possível encarecimento de produtos chineses.
Este é só um dos efeitos indiretos — e positivos — que o Brasil pode ter com o novo capítulo da guerra comercial iniciada no segundo mandato de Trump: elevar a venda de produtos aos EUA em substituição aos itens chineses.
“Os americanos já vinham se antecipando e buscando outros mercados para se abastecer, e o Brasil é um deles. Os EUA já são nosso principal destino”, diz Haroldo Ferreira, presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), lembrando que, no ano passado, o Brasil exportou 10,28 milhões de pares para o mercado americano por US$ 216,3 milhões, quedas em volume (-3,3%) e em receita (-4,8%) em relação a 2023.
Mas, ainda no segmento de calçados, o Brasil pode sofrer outro impacto indireto da taxação chinesa: o receio do setor é que o país e outros mercados da América Latina sejam usados para “desovar” calçados chineses, que ficarão mais caros nos EUA. As principais origens das importações no Brasil foram China, Vietnã e Indonésia, que responderam por mais de 80% dos calçados que entraram em 2024.
Setor automotivo
No acumulado do ano, as importações de calçados da China somaram 9,8 milhões de pares e US$ 40,2 milhões, alta de 4% em volume e queda de 16% em receita em relação a 2023. O preço médio ficou em US$ 4,06, queda de 19% ante 2023, um indicativo de preços artificialmente abaixo dos praticados no mercado (dumping), segundo a Abicalçados.
O professor de economia chinesa do Insper, Roberto Dumas, prevê um recuo no crescimento como impacto indireto para o Brasil do “tarifaço” de Trump, pois mesmo sem tarifas sobre produtos brasileiros, por ora, o BC pode ter que subir mais os juros com o dólar se valorizando e pressionando a inflação.
Dumas lembra que no primeiro mandato de Trump a China retaliou os EUA com mais força. Enquanto os EUA tributaram 56% dos produtos chineses, os asiáticos impuseram tarifas a 64% da pauta comercial, incluindo commodities agrícolas:
“Isso elevou a venda de itens do agro brasileiro para a China. Agora, Trump impôs tarifa de 10% e pode negociar com os chineses, exigindo que comprem mais soja dos EUA para não aumentar ainda mais as tarifas. O setor privado, mas especialmente o governo, devem acompanhar qual cenário vai se desenhar”.
Dumas avalia que se Trump impuser tarifas sobre os produtos da União Europeia, o acordo com o Mercosul pode acelerar, mesmo com França, Irlanda e Holanda sendo contrários à aliança.
“Mesmo com resistência de alguns países, o cenário para o acordo é diferente do anterior e tende a melhorar, não piorar”, diz Dumas.
No caso da indústria automobilística, as tarifas sobre México e Canadá não trazem consequências ao Brasil. Mas a tarifação que os EUA já vinham impondo aos carros elétricos chineses, desde setembro (de 100% sobre veículos e 25% sobre baterias), já preocupava, e ganha mais tensão com o novo capítulo da guerra comercial.
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